Sobre o que me incomoda

Mudamos de paradigma na biologia evolutiva, o que nos permite dizer que mudamos de paradigma na biologia como um todo. A nova concepção do processo evolutivo, principalmente após o advento da sistemática filogenética, matou e enterrou a scala naturae. Isso entre os biólogos evolutivos. Correção: isso entre alguns poucos biólogos evolutivos. Porque a realidade é outra: não apenas para o público em geral, mas, o que é o mais preocupante (e a razão de ser desta breve nota), para a maior parte dos cientistas, a scala naturae é um monstro bastante vivo e vai bem, obrigado. E, quando menciono os cientistas, infelizmente devo dizer que isso certamente inclui os biólogos, que na verdade deveriam ser os líderes do cortejo fúnebre, os condutores do féretro da scala naturae, a levar essa concepção infeliz para a cova. Continuar lendo

Ontogênese e Filogênese: o caso da leitura

Discutir os aspectos nefastos e perniciosos da scala naturae é uma das minhas mais diletas atividades. Creio que, se é que posso deixar alguma contribuição na mente dos alunos entre todos os assuntos de biologia que ensino, essa seria a eliminação da scala naturae do nosso modo de pensar e de compreender a evolução. Como me disse certa vez um colega, que recentemente também se enveredou pelos caminhos do magistério, meu livro poderia facilmente se chamar “Por que acho que a scala naturae é um absurdo”. Continuar lendo

Sobre uma nova forma de ver o mundo: ratos e baratas.

Fico na indecisão sobre uma ou outra, mas de fato as duas coisas são uma só: será que eu gosto tanto de falar sobre cladogramas por causa das características e propriedades desses sistemas ou por que os cladogramas deitaram uma boa pá de cal nessa herança capenga e nefasta que é a scala naturae? Que ambas as opções são uma e a mesma é fácil perceber quando se estuda a sistemática filogenética e, sobretudo, quando se concebe as conseqüências absurdas que emanam da utilização da “great chain of being”. Continuar lendo

Onde situar os ancestrais comuns?

O homem não veio do macaco. Todo biólogo sério deve ser capaz de explicar didaticamente esse enunciado, mesmo que não seja um especialista em biologia evolutiva – um botânico, um bioquímico, um zoólogo, um parasitologista, um ecólogo, enfim… – e, de preferência, explicar também que o macaco não veio do homem; Explicar que o homem (Homo sapiens) e o macaco (Macaca mulatta) são dois animais diferentes, duas espécies distintas, e que estão historicamente unidas por um outro motivo: compartilham um ancestral comum. A compreensão deste fato, de que o homem não veio do macaco – e de que muito menos o macaco veio do homem – é uma das premissas para afundar de vez a concepção de scala naturae, infelizmente ainda tão comum. O que se deve ter em mente é relativamente simples: dados dois elementos quaisquer, A e B, há um ancestral comum a ambos, e dados três elementos quaisquer, A, B e C, há um ancestral comum a dois deles e que não é ancestral do terceiro. Com essas regras simples em vista, constrói-se mentalmente uma árvore que deve ser capaz, depois de certo tempo, de enterrar essa “great chain of being”. Continuar lendo

Ainda há quem fale em “sequência evolutiva correta”…

Lá vou eu, de novo, investir feito um Quixote contra o moinho da Scala Naturae. Esse monstro-conceito continua bastante vivo nos dias de hoje, para quem achava ser uma curiosidade histórica de uma epistemologia pré-Darwin, tanto nos falares dos alunos como nos dos professores, tanto implícita como explicitamente, tanto de forma consciente como de forma inconsciente. Continuar lendo

O romantismo e a scala naturae

Há certos livros que classificamos como clássicos, e cuja leitura admitimos como obrigatória. Há um ensaio de Jorge Luis Borges em que ele define, de forma nada honrosa, o que torna uma obra um clássico. De qualquer forma, seja o que for o que define um clássico, a segunda metade de meu enunciado parece ser verdadeira: não podemos deixar de ler livros como Crime e castigo, de Dostoievski, O processo, de Kafka, a Divina comédia, de Dante, Admirável mundo novo, de Huxley, Ilíada, de Homero, O vermelho e o negro, de Stendhal, Édipo rei, de Sófocles, Eneida, de Vergilius, Os assassinatos da Rua Morgue, de Allan Poe, e tantos e tantos outros. Entre os chamados clássicos, tenho vergonha – e devo admiti-lo – de nunca ter lido o Quixote de Cervantes, apesar de ter uma excelente edição em minha pequena biblioteca… Continuar lendo

A Rubisco e a tendência à perfeição

Os efeitos da scala naturae sobre o modo de pensarmos o processo evolutivo são diversos e maléficos: quase sempre me vem à mente o famoso jargão “o homem veio do macaco”. Nenhum biólogo evolucionista competente afirmaria tal coisa, nem no sentido restrito da palavra macaco, nem no sentido mais geral, seja isso o que for. Tomando o termo “macaco” como algo que define os primatas de Gênero Macaca, por exemplo, gosto sempre de repetir pros meus alunos que o homem não veio do macaco, e que o inverso também não é verdadeiro, ou seja, que o macaco não veio do homem: podemos afirmar apenas que ambos compartilham um ancestral comum. Continuar lendo

A falácia do “grupo derivado”

Eis-me aqui, outra vez, a lutar contra essa nefasta scala naturae. Como já disse no post anterior, trata-se de uma luta inglória, contra algo que dificilmente vai sair assim, duma vez só, do nosso modo de visualizar e de organizar o mundo vivo; contudo, convém tentar…

O que me interessa agora é o conceito – errado – de grupo derivado. o que existe são características primitivas e características derivadas, características plesiomórficas e características apomórficas, e não grupo derivado ou grupo apomórfico… Isso não faz sentido algum. contudo, até mesmo a maneira como um cladograma é construído, ou seja, sua forma gráfica, pode nos levar a impressões erradas. Continuar lendo