Entre dois mundos

Recentemente um colega veio, pela internet, pedir a minha opinião a respeito de uma questão de vestibular. Segundo ele, os professores estavam se digladiando, alguns a favor do gabarito oficial, outros contra. Quando ele me mandou a questão reconheci-a imediatamente. Eu já havia visto a questão, e já sabia que ela possuía duas opções corretas (coisa que, dependendo do concurso, faz com que a questão seja anulada). Dei minha opinião, com a qual ele concordou, mas me disse que a polêmica continuava. Felizmente, estou a três mil quilômetros dessa briga… Continuar lendo

A scala naturae no vestibular

Não é do desconhecimento de praticamente ninguém que lide com educação que no Brasil nós vivemos uma situação bastante peculiar: o vestibular determina os conteúdos que serão ensinados no Ensino Médio, e não o contrário.  O resultado disso é que o Ensino Médio torna-se quase um refém dos vestibulares: já vi inúmeras vezes um assunto ser inserido no Ensino Médio porque o vestibular daquele fim de ano anunciou que iria passar a cobrar aquele assunto, bem como um assunto ser eliminado do conteúdo programático do Ensino Médio porque o vestibular deixou de cobrá-lo. Continuar lendo

Cladogramas em zoom

Todas as tentativas de matar e enterrar com umas boas pás de cal a scala naturae são bem vindas. Como já reiterei diversas vezes neste blog, a ascensão da sistemática filogenética parece ser o fator fundamental para uma mudança de paradigma generalizada e permanente, uma vez que, infelizmente, a biologia evolutiva por si só parecia incapaz de gerar essa mudança de percepção. Ou, para sermos mais justos, a biologia evolutiva não seria tão capaz de gerar essa mudança quanto a sistemática filogenética (em tempo, biologia evolutiva e sistemática filogenética não são a mesma coisa). Continuar lendo

Sobre o que me incomoda

Mudamos de paradigma na biologia evolutiva, o que nos permite dizer que mudamos de paradigma na biologia como um todo. A nova concepção do processo evolutivo, principalmente após o advento da sistemática filogenética, matou e enterrou a scala naturae. Isso entre os biólogos evolutivos. Correção: isso entre alguns poucos biólogos evolutivos. Porque a realidade é outra: não apenas para o público em geral, mas, o que é o mais preocupante (e a razão de ser desta breve nota), para a maior parte dos cientistas, a scala naturae é um monstro bastante vivo e vai bem, obrigado. E, quando menciono os cientistas, infelizmente devo dizer que isso certamente inclui os biólogos, que na verdade deveriam ser os líderes do cortejo fúnebre, os condutores do féretro da scala naturae, a levar essa concepção infeliz para a cova. Continuar lendo

Parecido e aparentado

Há certos pares de palavras que possuem a capacidade de nos confundir, não apenas por serem semelhantes morfologicamente, mas por terem significados quase iguais. Quase… Às vezes, as diferenças mais sutis são as mais importantes. Há vários exemplos desses pares, mas o fito desta presente e breve nota é discutir um que possui grande importância para a biologia evolutiva e para a sistemática filogenética. Trata-se do par parecido e aparentado. Continuar lendo

As capacidades sobrenaturais dos outros animais

A biologia evolutiva é uma ciência que olha para o passado. Numa época onde os chavões imperam e a baboseira empresarial de auto-ajuda é chamada de “literatura”, olhar para o passado é um absurdo inadmissível, inaceitável: não se olha para o passado, é para o futuro que se olha, dirão alguns. Bem, em primeiro lugar, convém lembrar que a biologia evolutiva é uma ciência, cuja metodologia não deve variar ao sabor das escolas filosóficas dominantes ou das visões políticas preponderantes; este foi um parágrafo um tanto obscuro para alguns, cujo esclarecimento demandará uma ocasião especial. Em segundo lugar, não há nada de inerentemente errado em se olhar para o passado. Continuar lendo

Apomorfia: algumas palavras de advertência

Eu vejo com bons olhos o fato de a sistemática filogenética estar se tornando cada vez mais comum nos cursos universitários e mesmo no ensino médio. Quem sabe, talvez a sistemática filogenética venha nos ajudar a eliminar da biologia evolutiva essa concepção malfazeja que chamada de scala naturae, que ainda é espantosamente comum (explícita ou tacitamente) no discurso dos professores, na abordagem dos livros didáticos e na maneira como a mídia em geral compreende a evolução na Terra. Continuar lendo

Ontogênese e Filogênese: o caso da leitura

Discutir os aspectos nefastos e perniciosos da scala naturae é uma das minhas mais diletas atividades. Creio que, se é que posso deixar alguma contribuição na mente dos alunos entre todos os assuntos de biologia que ensino, essa seria a eliminação da scala naturae do nosso modo de pensar e de compreender a evolução. Como me disse certa vez um colega, que recentemente também se enveredou pelos caminhos do magistério, meu livro poderia facilmente se chamar “Por que acho que a scala naturae é um absurdo”. Continuar lendo

Sobre uma nova forma de ver o mundo: ratos e baratas.

Fico na indecisão sobre uma ou outra, mas de fato as duas coisas são uma só: será que eu gosto tanto de falar sobre cladogramas por causa das características e propriedades desses sistemas ou por que os cladogramas deitaram uma boa pá de cal nessa herança capenga e nefasta que é a scala naturae? Que ambas as opções são uma e a mesma é fácil perceber quando se estuda a sistemática filogenética e, sobretudo, quando se concebe as conseqüências absurdas que emanam da utilização da “great chain of being”. Continuar lendo

Onde situar os ancestrais comuns?

O homem não veio do macaco. Todo biólogo sério deve ser capaz de explicar didaticamente esse enunciado, mesmo que não seja um especialista em biologia evolutiva – um botânico, um bioquímico, um zoólogo, um parasitologista, um ecólogo, enfim… – e, de preferência, explicar também que o macaco não veio do homem; Explicar que o homem (Homo sapiens) e o macaco (Macaca mulatta) são dois animais diferentes, duas espécies distintas, e que estão historicamente unidas por um outro motivo: compartilham um ancestral comum. A compreensão deste fato, de que o homem não veio do macaco – e de que muito menos o macaco veio do homem – é uma das premissas para afundar de vez a concepção de scala naturae, infelizmente ainda tão comum. O que se deve ter em mente é relativamente simples: dados dois elementos quaisquer, A e B, há um ancestral comum a ambos, e dados três elementos quaisquer, A, B e C, há um ancestral comum a dois deles e que não é ancestral do terceiro. Com essas regras simples em vista, constrói-se mentalmente uma árvore que deve ser capaz, depois de certo tempo, de enterrar essa “great chain of being”. Continuar lendo