Discordando de Darwin

O título dessa postagem, não estou alheio a esse perigo, pode atrair a atenção de alguns criacionistas — mais ainda aquela cepa de criacionistas que leem apenas o título do artigo — que prontamente irão compartilhá-lo com uma descrição do tipo “até o autor do blog Biologia Evolutiva diz que evolução não existe”. Contudo, qualquer pessoa um pouco mais lúcida perceberá, lendo o post, que não se trata disso, mas sim de algo bem diferente: para a ciência não interessa quem disse, mas o que foi dito. Argumentos de autoridade não têm lugar nas ciências. Não importa se Einstein disse isso, ou se Newton disse aquilo: se o enunciado está errado, não importa quem o enunciou, ele está errado e acabou. Por isso, discordar de autoridades é não apenas saudável para as ciências, mas na verdade uma de suas características sine qua non. Continuar lendo

Os vírus são ou não são seres vivos? Uma perspectiva evolutiva

Já que nessa era da internet as pessoas só têm tempo para artigos cada vez mais resumidos e concisos, vou facilitar as coisas e ir direto ao ponto: sim. Em minha opinião, vírus são seres vivos.

Como eu poderei sustentar minha posição usando uma perspectiva evolutiva? Bem, penso que a primeira coisa a ser feita é deixar bem claro o que é uma perspectiva evolutiva. Para isso, os conceitos que precisaremos são apenas dois: homologia e apomorfia. Vamos lá: Continuar lendo

Homologia: algumas palavras de advertência

Esta é a continuação de uma nota anterior, na qual eu me propus discutir, de maneira breve e resumida, alguns erros conceituais comuns que têm surgido na atual e louvável tentativa de trazer alguns paradigmas da sistemática filogenética para o ensino médio (e, em alguns casos onde a sistemática filogenética é desconhecida, para o ensino superior). Naquela nota eu havia discutido o conceito de Apomorfia; nesta, me proponho a falar do conceito de homologia. Continuar lendo

Apomorfia: algumas palavras de advertência

Eu vejo com bons olhos o fato de a sistemática filogenética estar se tornando cada vez mais comum nos cursos universitários e mesmo no ensino médio. Quem sabe, talvez a sistemática filogenética venha nos ajudar a eliminar da biologia evolutiva essa concepção malfazeja que chamada de scala naturae, que ainda é espantosamente comum (explícita ou tacitamente) no discurso dos professores, na abordagem dos livros didáticos e na maneira como a mídia em geral compreende a evolução na Terra. Continuar lendo

Riqueza filética relativa: uma proposta

Temos o hábito por vezes desagradável de querer comparar os mais diversos grupos e fenômenos na tentativa de estabelecer uma lista de posições, um ranking. Na minha opinião, esse hábito atinge o paroxismo da tolice entre os norte-americanos, com seu costume de estabelecer ranking para tudo: quais os dez melhores livros, quais os vinte melhores vinhos, quais os cinco melhores atletas olímpicos etc… Há coisas que são claramente subjetivas, e cujo posicionamento num ranking é, portanto, sem valor. Mesmo que a coisa não seja subjetiva, e geralmente é, o estabelecimento de um ranking é uma obrigação desnecessária. Por exemplo, costumam me perguntar “qual o melhor filme que você já viu?”. Mas eu não tenho que escolher um: por que razão eu sou obrigado a determinar o melhor, o único, o campeão isolado? Já vi tantos filmes excelentes, como Laranja mecânica, Apocalypse now, Cidadão Kane, Ran, Metropolis, Blade runner, O poderoso chefão, Cinema paradiso e tantos outros… por que eu teria que escolher um, ou ainda: por que eu teria que pô-los numa lista? O mesmo vale para livros: não me sinto obrigado entre Poe, Borges, Miller, Kafka, Dostoievski, Ramos, Aristófanes, Bukowski, Huxley, Eco, a escolher apenas um. Há também a famigerada pergunta: “que livro você levaria para uma ilha deserta?”. Essa pergunta nos abre duas possibilidades: levar um livro que já lemos (o que, no caso de Borges, que já leu alguns livros milhares de vezes, não seria mal maior), ou levar um livro que planejamos ler, possível causador de uma decepção incontornável. Continuar lendo