A morte do blog

Quando eu mantinha ativamente este blog eu costumava me lembrar sempre da máxima: “blog parado é blog morto”.

Pois bem, como muitos já perceberam (a última postagem foi há mais de 2 anos), este blog está morto. Eu mesmo já nem lembrava mais que ele existia. Portanto, o fito da presente e breve postagem é apenas oficializar o óbito.

As razões para a morte são muitas:

Primeiro, eu me afastei da biologia para seguir outra de minhas paixões, a visualização de dados. Atualmente eu sou um programador especializado em criar gráficos interativos… se você quiser saber o que eu faço, dê uma olhada no meu site.

A segunda razão é, provavelmente, a mais comum para que escritores abandonem um blog: o trabalho é enorme e cansativo (especialmente se o blog é um “líder” na área), demandando bastante tempo e dedicação… porém, o retorno financeiro é virtualmente inexistente. Eu nunca ganhei nada — financeiramente — escrevendo estes posts (a não ser um exemplar de um livro, em troca de um anúncio na barra lateral). Imagino que alguns irão dizer “mas o importante é a dedicação, o empenho de popularizar a ciência, e não a preocupação com essa bobagem que é dinheiro…”. Infelizmente eu discordo: defendo o reconhecimento do trabalhador e do seu trabalho, especialmente o artístico e o científico. Mais ainda agora, que tenho uma boca mirim para alimentar! Produtores de conteúdo de qualidade na internet (sejam textos, vídeos, imagens etc…) deveriam ser bem remunerados. Porém, a dinâmica do mundo online é outra, como todo mundo sabe.

Além dessas há outras razões menores, não diferentes das que fazem a maioria dos blogs morrerem.

Finalmente, agradeço a todos os que acompanharam o blog durante todos esses anos. O meu trabalho é dedicado a vocês.

Abraço a todos.

A internet e a estupidez humana

A humanidade tem ficado mais estúpida desde a popularização da internet?

A resposta é tanto “sim” como “não”.

Comecemos com o “não”.

É um fenômeno comum e recorrente em diversas culturas humanas achar que as gerações mais novas são mais rudes, mais mal-educadas, menos instruídas e menos intelectualizadas que as gerações mais antigas. Sempre que eu ouço alguém falar algo do naipe “antigamente se respeitava os mais velhos” me lembro das minhas aulas de grego clássico: não em apenas um, mas em diversos textos da época da guerra do Peloponeso (há dois milênios e meio), como por exemplo em muitas das peças de Aristofanes, se fala da corrupção dos jovens, que não respeitam mais os idosos, que não se interessam mais em aprender e que são mais fúteis e perdulários que a saudosa geração passada, essa sim composta de pessoas sábias e educadas.

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Eu e a psicanálise

Estava um dia desses relendo meu livro, procurando por erros de português — que, como uma maldição, parece que se multiplicam entre uma revisão e outra — quando me ocorreu algo sobre o qual nunca havia pensado. O título do meu livro é uma clara referência ao título de um livro de psicanálise, como eu explico na introdução. Acontece que, ao saber disso, o leitor pode achar que eu gosto ou mesmo que eu defendo a psicanálise, e isso está longe de estar correto. Continuar lendo

O doodle e a marcha

O Google publicou, recentemente, um doodle em homenagem ao 41º aniversário de descoberta de Lucy, o famoso fóssil de Australopithecus afarensis. Ao que parece, o doodle irritou algumas pessoas impermeáveis às ciências. Quando o Google fizer um doodle sobre Copérnico os defensores do geocentrismo também deverão se irritar, e quando o doodle for sobre Pasteur os defensores do movimento antivacinação irão protestar. Bem, eu também não gostei muito do doodle, mas por uma razão diametralmente oposta! Continuar lendo

Sobre o óbvio

Quando pensamos nos gênios que a humanidade teve a honra de ver surgir nos últimos mil anos, é difícil não vir à mente a figura barbuda de Galileu Galilei. Entre suas várias realizações está a solução para o problema do movimento, solução essa que atualmente conhecemos pelo nome de inércia e que foi formalmente descrita algum tempo depois por Newton em seu Philosophiae Naturalis Principia Mathematica. Convém lembrar que, poucas páginas após descrever a lei da inércia, Newton afirma que foi Galileu quem a descobriu, aparentemente uma das poucas passagens no Principia em que Newton dá créditos à outra pessoa. Continuar lendo

EvoluZoa

Há uma discussão meio cansativa (e inútil) sempre que uma obra literária é adaptada para o cinema: qual o melhor, o livro ou o filme? E, além de cansativa e inútil, é uma discussão baseada numa pergunta que não faz muito sentido, pois a literatura e o cinema são meios distintos, artes distintas, com características e propriedades diferentes. Há coisas que podem ser exploradas e transmitidas na literatura mas não no cinema, enquanto outras podem ser exploradas no cinema mas não na literatura. Continuar lendo

Discordando de Darwin

O título dessa postagem, não estou alheio a esse perigo, pode atrair a atenção de alguns criacionistas — mais ainda aquela cepa de criacionistas que leem apenas o título do artigo — que prontamente irão compartilhá-lo com uma descrição do tipo “até o autor do blog Biologia Evolutiva diz que evolução não existe”. Contudo, qualquer pessoa um pouco mais lúcida perceberá, lendo o post, que não se trata disso, mas sim de algo bem diferente: para a ciência não interessa quem disse, mas o que foi dito. Argumentos de autoridade não têm lugar nas ciências. Não importa se Einstein disse isso, ou se Newton disse aquilo: se o enunciado está errado, não importa quem o enunciou, ele está errado e acabou. Por isso, discordar de autoridades é não apenas saudável para as ciências, mas na verdade uma de suas características sine qua non. Continuar lendo

Uma função para o DNA não codificante?

Há um par de anos (que, em tempo relativo de internet dá mais ou menos umas duas décadas) circulou um meme um tanto nerd, em relação à constante matemática π (pi). Segundo a versão mais famosa do meme, π seria um “número decimal infinito e não repetitivo, significando que qualquer sequência numérica possível pode ser encontrada na constante π, desde o nome de todas as pessoas que você conheceu até o bitmap de todas as fotos que você já viu, incluindo o DNA de todos os organismos do universo”. Segundo versões alternativas desse meme, na sequência numérica da constante π é possível encontrar na íntegra o texto de Crime e castigo — incluindo versões alternativas onde é a velha quem mata Raskolnikov ou uma na qual Raskolnikov é um papagaio transexual gago — ou o texto de Dom Quixote, o bitmap de fotos de Brigitte Bardot ou até mesmo os 136 minutos de filme da Laranja mecânica. Mas a coisa não para por aqui: π conteria fotos de pessoas que nunca foram fotografadas (como Isaac Newton, por exemplo), infinitas versões alternativas da sua vida, o relevo de todos os planetas rochosos do universo ou mesmo o DNA de todos os terráqueos que ainda irão nascer — por que não? Como cúmulo do cúmulo poderíamos afirmar que π conteria em sua sequência a Biblioteca de Babel (um universo contendo um universo… essa brincadeira só os fãs de Borges irão entender). Continuar lendo

Drogas e literatura

Eu tenho certa aversão a polêmica e a confusão. Especialmente na atual era da internet, onde são tão comuns as agressões gratuitas e os comentários grosseiros, onde muitas pessoas não têm filtro algum para escrever ataques que seriam incapazes de dizer pessoalmente a seus interlocutores, e onde abunda a perigosa combinação de analfabetismo científico com presunção e grosseria, eu evito confusão a todo custo. Continuar lendo

Percepção e realidade

Uma palavra: umwelt.

Quando comecei a estudar etologia, há muitos anos, esse foi um dos conceitos que mais me marcou, e um dos que mais me fascina até hoje. De uma maneira extremamente resumida e simplória, umwelt é o mundo como ele é experimentado por um determinado organismo. Como é o mundo para uma gaivota? Como é o mundo para um carrapato? Como é o mundo para um besouro? Tente não cometer aqui um erro básico: quando Thomas Nagel perguntou “como é ser um morcego”, muita gente tentou imaginar como deve ser a experiência de uma mente humana tendo acesso ao mundo exterior através dos órgãos sensoriais de um morcego, ou, de forma mais simplificada, como seria se você transportasse magicamente uma mente humana para o corpo de um morcego. Mas não é isso que entendemos por umwelt: a umwelt do morcego, ou seja, “como é ser um morcego”, só pode ser corretamente compreendida quanto imaginamos de que forma a mente de um morcego (e não a de um ser humano), usando os órgãos sensoriais de um morcego, percebe o mundo, a realidade externa subjetiva. Continuar lendo