Uma função para o DNA não codificante?

Há um par de anos (que, em tempo relativo de internet dá mais ou menos umas duas décadas) circulou um meme um tanto nerd, em relação à constante matemática π (pi). Segundo a versão mais famosa do meme, π seria um “número decimal infinito e não repetitivo, significando que qualquer sequência numérica possível pode ser encontrada na constante π, desde o nome de todas as pessoas que você conheceu até o bitmap de todas as fotos que você já viu, incluindo o DNA de todos os organismos do universo”. Segundo versões alternativas desse meme, na sequência numérica da constante π é possível encontrar na íntegra o texto de Crime e castigo — incluindo versões alternativas onde é a velha quem mata Raskolnikov ou uma na qual Raskolnikov é um papagaio transexual gago — ou o texto de Dom Quixote, o bitmap de fotos de Brigitte Bardot ou até mesmo os 136 minutos de filme da Laranja mecânica. Mas a coisa não para por aqui: π conteria fotos de pessoas que nunca foram fotografadas (como Isaac Newton, por exemplo), infinitas versões alternativas da sua vida, o relevo de todos os planetas rochosos do universo ou mesmo o DNA de todos os terráqueos que ainda irão nascer — por que não? Como cúmulo do cúmulo poderíamos afirmar que π conteria em sua sequência a Biblioteca de Babel (um universo contendo um universo… essa brincadeira só os fãs de Borges irão entender). Continuar lendo

Os vírus são ou não são seres vivos? Uma perspectiva evolutiva

Já que nessa era da internet as pessoas só têm tempo para artigos cada vez mais resumidos e concisos, vou facilitar as coisas e ir direto ao ponto: sim. Em minha opinião, vírus são seres vivos.

Como eu poderei sustentar minha posição usando uma perspectiva evolutiva? Bem, penso que a primeira coisa a ser feita é deixar bem claro o que é uma perspectiva evolutiva. Para isso, os conceitos que precisaremos são apenas dois: homologia e apomorfia. Vamos lá: Continuar lendo

Genes e alelos

Eu já fui bem mais intransigente quanto às mudanças da língua: acreditava que a maneira correta de escrever determinada palavra ou sentença era aquela e somente aquela, e que toda variante deveria ser eliminada. Eu era o que poderíamos chamar de language maven. Devo minha mudança de atitude às pacientes preleções da minha mulher e à indulgência trazida pela idade. Hoje aceito que a língua tem suas vicissitudes e que se todos passarmos a falar “nós vai estudar”, com o tempo “nós vai estudar” será o correto. Aliás, isso já aconteceu: por que o português, ao contrário do grego e do latim, usa a terceira pessoa no lugar da segunda (“você é feliz”) e no lugar da primeira (“a gente é feliz”)? Continuar lendo

Diferenças

Um bom biólogo evolutivo deve ser capaz de explicar adequadamente, para uma pessoa leiga, que certos conceitos e ideias que ela toma como claros e sólidos são, para os familiarizados com a ciência, toscos e absurdos. Algumas das perguntas mais comuns que ouvimos são tão incoerentes que sequer têm resposta, como, por exemplo, “quem é mais evoluído, A ou B?”. Perguntar isso é como perguntar quanto é oito dividido por zero. Uma bobagem como essa não tem resposta e não se deve tentar respondê-la, pois isso seria dar crédito à pergunta e, por fim, validá-la. Ao contrário, deve-se explicar para o interlocutor que não há divisão por zero, e que não há sequência evolutiva de entidades atualmente existentes. Continuar lendo

Pode-se quantificar o “genético” e o “ambiental” para uma característica?

Há certos livros indispensáveis, que a gente tem de ter (mesmo que acabe lendo apenas a orelha…). Outros, mais abaixo numa lista de importância, planejamos comprar quando houver uma eventual oportunidade. Porém, há certos livros que nem conhecíamos, e que descobrimos ao acaso ao perambular pelas prateleiras de uma livraria – livraria mesmo, não uma “boutique de livros” de shopping; uma livraria de verdade é um ambiente de contemplação, onde geralmente o atendente é também o proprietário, uma criatura monossilábica, meio coberta de poeira e de palidez cadavérica… numa livrariade verdade você puxa uma banqueta e senta ao lado da estante, olhando página por página, livro por livro… esses livros, que descobrimos por acaso, trazem às vezes abordagens que não conhecíamos, acostumados que somos a certos autores de nossa predileção. Gosto de vasculhar as estantes ao acaso, quando me sobram alguns cobres ao fim do mês, é claro… Continuar lendo