A evolução humana

Há uma pergunta bastante famosa no ambiente da biologia evolutiva. Curiosamente, eu não a abordei no meu livro — pois minha intenção era a de escrever uma explicação breve e concisa sobre alguns conceitos básicos ­— nem aqui no blog, que já passa de 100 postagens. Eis a pergunta: Continuar lendo

Acaso ou adaptação? Sobre as moscas com formigas nas asas

cb2Faz tempo que não uso o selo ao lado. Trata-se de uma brincadeira que fiz na época em que o selo Research Blogging, aquele verdinho, foi lançado, e tem por objetivo lembrar uma coisa fundamental: isto aqui é um blog, e boa parte do que escrevo é conjectura, suposição, opinião. É claro que muito do que escrevo é divulgação científica, acerca de teorias e fatos devidamente comprovados e aceitos pela comunidade científica. Porém, eu me dou ao direito de escrever minhas suposições e opiniões, pois, convém repetir, isto aqui é um blog. Agradeço imensamente meus seguidores e eventuais leitores, mas é importante lembrar isso vez ou outra porque o que escrevo aqui, mesmo quando é algo solidamente comprovado, não pode ser citado como fonte, ou seja, não tem a validade de um livro ou muito menos a de um periódico revisto por pares. Continuar lendo

Quando a evolução é muito, muito rápida

É lugar-comum pensarmos nas mudanças evolutivas como algo que leva milhares, milhões de anos para acontecer. Quem de nós já não ouviu, em nossas épocas de colégio, um professor de biologia dizer “esse processo não se dá da noite para o dia”, ou “essa transição demorou milhões de anos para ocorrer”. De fato, a ideia de que mudanças aparentemente inexplicáveis são possíveis quando associadas a um intervalo de tempo suficientemente longo foi um dos grandes trunfos da biologia evolutiva em sua aurora (período cuja figura central era Charles Darwin), época em que a biologia evolutiva lutava para se mostrar válida não apenas fora mas principalmente dentro do meio científico e acadêmico. O raciocínio, bastante familiar para quem já estudou a história da biologia evolutiva, é bem simples, e foi tomado de empréstimo da geologia: se pequenas forças, agindo por um período de tempo suficientemente longo, foram capazes de imensas alterações na estrutura geológica da terra, o que a seleção não poderia fazer com os seres vivos, dado um intervalo de tempo igualmente longo? Continuar lendo

Sobre o declínio da inteligência humana

Há alguns anos escrevi aqui neste blog duas breves notas sobre fossilização gênica (que podem ser lidas aqui e aqui). De forma bastante resumida, coisa que compromete a acurácia da explicação, a fossilização gênica ocorre quando a pressão seletiva exercida sobre um gene é reduzida ou eliminada. Isso ocorre por que o processo seletivo não é apenas responsável pela manutenção das variantes mais adequadas, ele é também responsável pela própria integridade informacional dos genes responsáveis por tais variedades. Explicando de outra forma, o processo seletivo limpa continuamente o reservatório gênico, fazendo uma faxina e eliminando as mutações deletérias. Quando um determinado gene não exerce mais nenhuma função aparente, as mutações começam a se acumular (ou, em termos físicos, a entropia aumenta), a informação genética é irreversivelmente degradada e, finalmente, o gene acaba por desaparecer, podendo eventualmente deixar alguns resquícios, ou fósseis, no material genético. Analisar algumas alegações recentemente divulgadas pela mídia à luz da fossilização gênica é o fito desta breve postagem. Continuar lendo

O caráter especulativo da biologia evolutiva

Como é bem sabido, a biologia evolutiva é eminentemente uma ciência histórica, ou seja, uma ciência que se debruça sobre o que já ocorreu, que observa eventos passados e, a partir desses eventos, tenta estabelecer a história evolutiva dos seres vivos. É certo que se trata de uma ciência capaz de estabelecer previsões, testar hipóteses e, coisa que poucos percebem, elaborar e conduzir experimentos (em laboratório ou em campo). Mas, não podemos negar, o aspecto historiográfico da biologia evolutiva é o que mais prevalece, é o que mais se sobressai. Continuar lendo

Seleção para o comportamento

Prolegômeno: Antes que os puristas da língua e gramáticos de plantão reclamem do título da presente nota (“quem seleciona seleciona algo”, dirão, “portanto é seleção de, e não seleção para”), a fórmula seleção para tem um sentido bem determinado em biologia evolutiva, conforme proposto por Sober. Esse, por sinal, pode ser o tema para uma nota futura.

Que muitas pessoas vivem de aparência não é novidade pra ninguém. Um infeliz exemplo disso é a triste condição de uma quantidade inimaginável de cães abandonados e em perfeitas condições para adoção, preteridos em favor de cães “de raça”, seja isso o que for (para quem não compreendeu o sarcasmo, eis uma nota a respeito), comprados em pet shops ou, absurdo dos absurdos, em puppy mills. Escolhendo o seu cão por critérios puramente estéticos, esquecem ou escolhem ignorar a principal característica dos cães, aquilo que tanto contribuiu para nossa relação com essa variedade de lobo: seu comportamento. Continuar lendo

Os negros nativos da América: tempo suficiente?

Eu havia discutido, numa postagem anterior, a relação (ou a possível falta desta) entre seleção e a cor da pele em seres humanos. Naquela ocasião eu havia argumentado que há bons indícios, ou pelo menos indícios que devem ser adequadamente explicados, que nos levam a crer que a seleção não é o único fator a determinar a cor da pele em humanos, e que essa característica pode em boa medida ser determinada também por deriva genética associada a uma estampagem sexual. Continuar lendo

Um pouco sobre matemáticas loucas e herdabilidade

Costumamos expressar certas relações como expressões matemáticas. Fazemos isso para tornar mais clara a relação que estamos estabelecendo, ou para memorizá-la mais facilmente. Acontece que muitas dessas relações, transformadas em expressões matemáticas por razões didáticas ou mnemônicas, não são relações matemáticas de fato, e quando tratadas matematicamente revelam resultados que vão do hilário ao desastroso. Vamos tomar um exemplo bem simples, a famosa frase de Thomas Edison: “Genius is one percent inspiration, ninety-nine percent perspiration”. Matematicamente, temos G = I + T, ou seja, a genialidade é inspiração mais transpiração. Diversas fórmulas parecidas pipocam na internet, nas revistas de gestão e autoajuda, nas escolas etc. Acontece que o exemplo acima não é uma expressão matemática verdadeira, e não pode ser tratado matematicamente. Senão vejamos: o que é transpiração? A partir de nossa fórmula, podemos dizer que transpiração é “genialidade menos inspiração”. Porém, transpiração é outra coisa: “exalação aquosa nas superfícies epidérmicas”. Quando Edison criou essa famosa relação, ele estava apenas tentando estabelecer o que para ele pareciam ser os componentes do processo criativo, e não uma expressão matemática tratável como tal. Continuar lendo

Seleção e especulação

(Aboriginal and Torres Strait Islander readers are advised that the following post contains images of people who have died)

O método científico é a principal diferença entre as ciências e as outras formas de aquisição de conhecimento. Através do método podemos não só organizar nosso conhecimento prévio sobre determinada área do saber, mas principalmente coletar novas informações e dar um sentido adequado e coerente a essas informações. Na verdade, o método científico tem mais a ver com a eliminação de explicações estapafúrdias e místicas do que propriamente com a elaboração de explicações corretas. Noutras palavras, a ciência é mais um processo de eliminar as explicações equivocadas do que um processo de encontrar as explicações corretas. Continuar lendo