Cabeleira cabeluda

“Por que isso é assim? Por que aquilo é assado?”. As ciências têm que responder uma série de perguntas, e elas são infinitas. Para muitas pessoas leigas, contudo, pode ser bastante decepcionante o fato de que a certeza estatística não é a mesma coisa que elas definem como certeza, que correlações não implicam em causalidade, e que em muitas situações os cientistas não querem ou não podem (lembre-se que o operador “ou” pode incluir ambas as opções) responder as perguntas que lhes são endereçadas. No caso da biologia evolutiva, creio sinceramente que há uma série de perguntas que não apenas não podem ser adequadamente respondidas como, eventualmente, é uma perda de tempo tentar respondê-las, pelo menos quando aquela área de conhecimento ainda não acumulou informações o bastante. Continuar lendo

Um pouco sobre matemáticas loucas e herdabilidade

Costumamos expressar certas relações como expressões matemáticas. Fazemos isso para tornar mais clara a relação que estamos estabelecendo, ou para memorizá-la mais facilmente. Acontece que muitas dessas relações, transformadas em expressões matemáticas por razões didáticas ou mnemônicas, não são relações matemáticas de fato, e quando tratadas matematicamente revelam resultados que vão do hilário ao desastroso. Vamos tomar um exemplo bem simples, a famosa frase de Thomas Edison: “Genius is one percent inspiration, ninety-nine percent perspiration”. Matematicamente, temos G = I + T, ou seja, a genialidade é inspiração mais transpiração. Diversas fórmulas parecidas pipocam na internet, nas revistas de gestão e autoajuda, nas escolas etc. Acontece que o exemplo acima não é uma expressão matemática verdadeira, e não pode ser tratado matematicamente. Senão vejamos: o que é transpiração? A partir de nossa fórmula, podemos dizer que transpiração é “genialidade menos inspiração”. Porém, transpiração é outra coisa: “exalação aquosa nas superfícies epidérmicas”. Quando Edison criou essa famosa relação, ele estava apenas tentando estabelecer o que para ele pareciam ser os componentes do processo criativo, e não uma expressão matemática tratável como tal. Continuar lendo

Estruturas mal-adaptativas

Quando começamos a estudar biologia evolutiva, ainda no colégio, damos uma importância demasiadamente grande à seleção, a sua capacidade de fazer surgir e de fixar na população aquelas características que denominamos de adaptações. Nada mais normal, e até mesmo desejável: todos nós devemos iniciar o estudo de um campo novo do conhecimento por seus aspectos gerais, por suas regras básicas, para só então, já iniciados, passarmos aos detalhes mais complexos, aos casos particulares, às exceções, o que para muitos constitui a verdadeira diversão no estudo de ciências, onde as coisas começam a ficar mais interessantes! Contudo, há um preço a se pagar por isso: boa parte dos iniciantes fixa certas concepções, certas regras gerais daquela ciência a qual ele está se dedicando, de forma tão concreta e dogmática que ele acaba impedindo a si mesmo de dar o passo além, de perceber as exceções e, por conseguinte, a complexidade e a beleza daquele ramo do conhecimento. No caso cuja descrição acabei de começar, não é nada incomum o estudioso, após seus primeiros contatos com a seleção e seus mecanismos, passar a achar que todas as características ou estruturas de um organismo surgem por seleção, ou seja, que todas as características e estruturas de um organismo são adaptações, e dessa forma confundir seleção e evolução. Continuar lendo

Quando a evolução pode ser supostamente antecipada

Não gosto nem um pouco de exercícios de previsão quando se trata de evolução. Na verdade, não gosto de exercícios de previsão em praticamente situação alguma; mas quando se tenta antecipar os eventos futuros do processo evolutivo a coisa fica perigosamente incorreta e indesejável, pois costumamos entrar num campo especulativo que, por mais que aparentemente inócuo e apenas hipotético, nos leva a poucos resultados além de uma compreensão inadequada da biologia evolutiva. Continuar lendo