Como calcular a RFR (Riqueza Filética Relativa)

Neste momento, dependendo de quem você é, você pode estar curioso ou preocupado. Caso você seja um estudante ou apenas uma pessoa que se interessa eventualmente pela biologia evolutiva, você está curioso para saber o que é essa tal de Riqueza Filética Relativa. Porém, caso você seja um professor ou um profissional da área, você deve estar começando a ficar preocupado. “O que raios é RFR?”, você se pergunta. “Como nunca ouvi falar nisso antes?”. Nesse momento, você começa a questionar sua competência e seu conhecimento, e talvez decida, sorrateiramente, dar uma checada no Google, antes de continuar a leitura, como quem mente para si mesmo “eu sei o que é, mas me escapou no momento, vou apenas dar uma relembrada…”

Relaxe! Você não vai encontrar nada no Google, simplesmente porque esse conceito não existe. Quer dizer, existe, mas apenas na minha cabeça. É um conceito que propus há algum tempo (neste post), apenas por brincadeira, quando não tinha nada para fazer… Porque a mente ociosa é uma oficina fértil!

Assim, na presente postagem, eu gostaria de explicar como calcular a RFR. A fórmula é a que segue:

RFR (A|B) = \frac{NE(A)}{NE(B)}

Lê-se “Riqueza Filética Relativa de A em relação a B”, onde NE(A) representa o número de espécies existentes para o lado de A e NE(B) representa o número de espécies existentes para o lado de B. Logo, para determinarmos a RFR de A em relação a B basta dividirmos o número de espécies do lado de A pelo número de espécies do lado de B (mais adiante explicarei o que vem a ser lado de A e lado de B). Eis os possíveis resultados:

  • RFR > 1: O lado de A tem mais espécies que o lado de B.
  • RFR = 1: Ambos os lados têm exatamente o mesmo número de espécies.
  • RFR < 1 e maior que zero: O lado de B tem mais espécies que o lado de A.
  • RFR igual ou menor que zero: Você é muito ruim em matemática, ou deveria parar de fazer cálculos sob a influência de drogas psicotrópicas.

Definida a fórmula, vamos para exemplos práticos de como calcular a RFR entre dois organismos quaisquer. Logicamente, vamos começar com um exemplo bastante simples, e deixar um mais complexo para o final.

O método é relativamente simples. Dados os dois organismos, A e B, retrocede-se até o nó que representa seu ancestral comum. É importante lembrar que, em filogenética, quando falamos “ancestral comum” estamos geralmente nos referindo ao ancestral comum mais recente. A partir desse nó há (como em qualquer outro nó) dois ramos. Um deles leva ao organismo A, ou ao ramo terminal A, enquanto o outro leva ao organismo B, ou ramo terminal B. Agora, basta contar quantas outras espécies atualmente existentes, incluindo os organismos dados, há em cada lado, e efetuar a divisão. Seria interessante considerar também espécies extintas, mas prefiro, por hora, considerar apenas as espécies atualmente existentes para a definição da RFR.

Vamos começar calculando a RFR entre o ser humano e o chimpanzé. Para facilitar a visualização, eis um cladograma dos grandes símios:

RFR

Primeiramente, devemos encontrar o ancestral comum de homem e chimpanzé. A partir do nó que representa o ancestral comum de homens e chimpanzés temos dois ramos. Para o lado do homem temos apenas uma espécie (o próprio homem), enquanto para o lado do chimpanzé temos duas espécies (o chimpanzé e o bonobo). Desta forma, temos:

RFR (Homem|Chimpanzé) = 0,5

O que nos diz que o ramo que leva aos humanos tem apenas a metade (0,5) do número de espécies existentes no ramo que leva aos chimpanzés. Talvez uma melhor forma de visualizar o conceito seja inverter o par A|B:

RFR (Chimpanzé|Homem) = 2

O que nos diz que o ramo que leva aos chimpanzés tem o dobro (2) do número de espécies existentes no ramo que leva aos humanos.

Continuando a explicação, qual a RFR (Homem|Gorila)? Achamos facilmente o nó que representa o ancestral comum de humanos e gorilas. Para o lado dos humanos temos 3 espécies, enquanto para o lado do gorila temos 2 espécies. Logo:

RFR (Homem|Gorila) = 1,5

Ou, invertendo o par:

RFR (Gorila|Homem) = 0,66

Agora vamos um pouco mais além, considerando uma filogenia bem maior. Vamos tomar o par Lobo e Gaivota. Podemos afirmar, com certa chance de acerto, que o ancestral comum de lobos e gaivotas é aquele nó de onde parte o ramo dos sinapsídeos de um lado e o ramo dos sauropsídeos de outro. Vamos considerar que o número de espécies de sinapsídeos atualmente existentes é de 5400, enquanto o número de sauropsídeos é de 18100. O número exato deve ser outro, mas o que me interessa no momento é mostrar como deve ser feito o cálculo. Assim, teremos:

RFR (Lobo|Gaivota) = 5400/18100 = 0,298

Ou, se quisermos arredondar:

RFR (Lobo|Gaivota) = 0,3

Se quisermos inverter os pares, teremos:

RFR (Gaivota|Lobo) = 3,35

Logicamente, todos os demais sauropsídeos se conectam com os lobos pelo mesmo nó. Desta forma, não apenas a gaivota, mas qualquer outro sauropsídeo terá a mesma RFR quando comparado com o lobo. Da mesma forma, todos os demais sinapsídeos se conectam com as gaivotas pelo mesmo nó. Por consequência, a RFR (Camaleão|Lobo), a RFR (Pinguin|Canguru), a RFR (Cascavél|Golfinho) ou mesmo a RFR (Arara|Elefante) teria o mesmo valor de 3,35. Ah, adimensional, vale ressaltar.

3 comentários sobre “Como calcular a RFR (Riqueza Filética Relativa)

  1. Bastante interessante e prático! Não conhecia o tópico antigo, e o achei igualmente interessante. Só duas considerações:
    a) Embora eu saiba que você, ao dizer “número de espécies entre A e B”, esteja se referindo aos internós (ou seja, aos ancestrais) presente em cada linhagem, talvez alguns leitores não peguem a ideia e tenham uma visão de “escadinha”, com cada espécie sendo um degrau!
    b) Talvez esse número não deva ser associado a algo como um “sucesso evolutivo”, porque o número não se refere à espécie considerada, mas sim ao número de especiações pelas quais passou antes de ser a espécie que é. Por exemplo, imagine que comparássemos um zoráptero e uma lagartixa (RFR > 13): não seria estranho falar que os zorápteros tenham maior sucesso evolutivo que as lagartixas?

    • Oi, Peterson,
      Não consegui achar esse trecho com “número de espécies entre A e B”… De qualquer maneira, eu não estava me referindo aos internós: estava de fato me referindo a todas as espécies atualmente existentes em cada um dos ramos, em cada linhagem (matematicamente, é o número de internós + 1).
      Em relação ao ponto b, essa é exatamente a minha crítica à associação de sucesso evolutivo com número de espécies de um grupo: ela mede apenas o número de especiações que aquele grupo sofreu. A RFR, pelo menos, se predispõe explicitamente a medir apenas isso.
      Abraço.

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