Ervas naturais e falácias idem, por Júlio Camilo

Dando continuidade ao setor de contribuições deste modesto blog (até agora houve apenas uma!), quero publicar o pequeno ensaio de um grande colega, Júlio Camilo, professor da UFC, falando um pouco mais (nunca será o bastante…) sobre falácias:

Dia sim, outro também, somos bombardeados por falácias – que nada mais são que argumentos com inconsistência lógica – que brotam aos borbotões das bocas com as melhores (ou piores) intençoes.

Podemos observar argumentos falaciosos nos meios de comunicação (principalmente nessa teia de conexão global onde provavelmente estais a ler esse post), em músicas, conversas de bar et coetera. Por tal motivo decidi gastar meu tempo escrevendo – e o seu lendo – para comentar dois tipos de falácia que me atormentam, pois são muito usadas para “explicar” questões biológicas. A Falácia do Especialista (ou argumento de autoridade) e a Falácia Naturalista.

O que você faria se alguém olhasse para você e falasse “você sabia que o consumo de fezes é, segundo o Doutor em Nutrologia Thomas Turbano Pinto, uma maravilha para o organismo? Por isso, comecei a comer religiosamente minha ração de fezes!”? O primeiro impulso de minha parte seria me afastar um pouco do indivíduo, para evitar qualquer gota de saliva do famigerado e depois perguntar em que ele baseia essa conclusão. Sei que o exemplo é exagerado, mas a existência de pessoas que fazem ou acreditam em determinadas afirmações apenas pelo fato do indivíduo que as pronunciou ser um exímio cientista é mais comum do que parece (a ironia maior é que algumas dessas pessoas dizem não acreditar em religiões, por exemplo, por dever acreditar sem questionamento nos religiosos, mas confia sem questionar em cientistas). Um exemplo até comum é o uso de altas dosagens de ácido ascórbico (vulgo Vitamina C ou ascorbato), baseado na opinião de Linus Pauling de que isso é benéfico à saúde. Posição combatida por muitos especialistas, pois a hipervitaminose pode causar sérios problemas ao organismo. No caso específico da Vitamina C, o excesso é posto para fora do corpo pela urina, e uma alta dosagem dessa substancia pode sobrecarregar seus rins e causar a falência dos mesmos. “Mas como é possível, foi o Linus Pauling que falou!”. Cientistas são seres passíveis de acertos e erros, assim como todos nós. O próprio Linus, um cientista já famoso na época, errou quando propôs que o ADN era formado por três fitas entrelaçada, tal descoberta cabendo (ao menos oficialmente) a Francis Crick e James Watson. O mesmo Watson que, anos depois, foi duramente criticado por suas afirmações racistas revestidas com um tênue verniz científico…

Outro tipo de falácia que muito me irrita é a Falácia Naturalista. Aquela que preconiza que tudo que é natural é bom e tudo que não é, é ruim. Essa me incomoda não apenas por ser uma falácia, mas também pelo tom maniqueísta da mesma, tentando dicotomizar o mundo em bom (natural) e ruim (artificial), o que é uma simplificação ridícula. Podemos encontrar um exemplo claro de Falácia Naturalista em uma música do Planet Hemp que vocifera “Legalize já, legalize já! Uma erva natural não pode te prejudicar!” (grifo meu). Não quero aqui entrar nos méritos da legalização ou não da Cannabis sativa, que possui muitos argumentos válidos de ambas as partes, mas, caro senhor Marcelo D2, o senhor já ouviu falar de cicuta? O senhor toparia tomar um chá dessa erva? Aliás, uma erva natural não pode te prejudicar, não é? Sócrates que o diga. Ou então, quem sabe, que tal deixar uma Crotalus te picar? Um animalzinho da natureza não pode fazer mal, não é!

Cicuta (Cicuta maculata), a última bebida de Sócrates (Fonte: Science Photo Library)

Eu conheci um cara que tinha um dieta super restrita, comia somente vegetais crus. Ele não comia milho, feijão… Qualquer coisa que tivesse que ir ao fogo para ser ingerível era logo descartado. O cara parecia um faquir. Um dia, intrigado com a situação, perguntei o motivo de sua privação, se havia um fundo religioso (como o Gerardo bem acentuou num post anterior, boa parte dos vegetarianos assim o são por motivos religiosos) e ele me disse que somente comia aquilo que não era necessário cozer, pois era natural, se tinha que passar pelo fogo não era natural e, portanto, fazia mal. Perdi contato com esse cara, mas sinceramente espero que ele esteja bem, apesar da alta probabilidade do contrário (é complicado conseguir todos os aminoácidos essenciais ao corpo com uma alimentação sem sementes). Agora, o pior de tudo, é que o argumento em que ele baseia toda a sua dieta e, porque não dizer, sua vida, seja uma fétida e monstruosa Falácia.

Ou seja, não dá para confiar cegamente em especialistas ou em um paraíso natural. Pessoas podem estar certas ou erradas e a natureza pode ser bem perigosa. Como há muito tempo já sabia o apóstolo Tomé (o que, segundo a tradição bíblica, somente acreditou na ressurreição após tocar as feridas de Cristo), questionar é a base de todo entendimento.

4 comentários sobre “Ervas naturais e falácias idem, por Júlio Camilo

  1. Gerardo,

    Eu já não trabalho mais na UFC. E, segundo, eu gostei do título que você colocou.

    Agora, lendo devagar, vi que o texto ficou muito repetitivo.

    Abraço e tudo de bom.

  2. Acho que o Marcelo D2 não tem nada a ver com essa história!!!
    Vc está totalmente descontextualizado com a mensagem da música, apesar de, literalmente, ser sim uma falácia naturalista! Mas nem tudo (principlamente em se tratando de cultura) deve ser religiosamente analisado, da forma que vc tratou aqui!

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