O conceito de homologia antes de Darwin, por Ricardo Bonadies

Vou inaugurar com esse post uma nova fase neste meu blog, a das contribuições. Há muita gente com idéias e análises interessantes sobre os mais variados aspectos da biologia evolutiva, e a publicação dessas idéias é de fundamental importância. Esse pequeno ensaio foi feito, atendendo a um pedido, por Ricardo Bonadies, um dos brilhantes “meninos” que mantêm funcionando o GDEvo, o Grupo de Discussão de Evolução, lá na UFC. Vamos a ele:

Em vários meios escolares as homologias são apresentadas como uma das evidências da Evolução. Considerando a definição de homologia como um caráter compartilhado por um grupo de organismos e que estava presente no ancestral comum desse grupo, podemos ser levados a um aparente raciocínio circular: “Por que os organismos compartilham um ancestral comum? Porque possuem homologias. Por que possuem homologias? Porque compartilham um ancestral comum”. Tal tautologia é apenas aparente, pois não temos aqui um raciocínio inerentemente errôneo. Entretanto, para uma explicação mais adequada, devemos considerar o aspecto histórico da questão.

É fato que muitas das estruturas que hoje definimos como homólogas já eram conhecidas em detalhes pelos pesquisadores dos séculos XVIII e XIX, antes mesmo que tivessem qualquer relação com a descendência comum ou sequer com a evolução em geral. Dessa forma, no mundo pré-darwiniano, as homologias eram explicadas com base em princípios não científicos, como por exemplo, sendo variações de um arquétipo ou plano divino de criação. O próprio criador do termo “homology”, Richard Owen, era contra a teoria evolutiva de Darwin. Owen definiu uma homologia como sendo “o mesmo órgão em diferentes animais sob uma variedade de formas” (“the same organ in different animals under every variety of form and function.”) [Owen – 1843]. Tal definição se baseia apenas nos caracteres atuais dos seres vivos e não tem nenhum vínculo com o pensamento evolutivo.

Richard Owen, biólogo e paleontólogo inglês.

Richard Owen, biólogo e paleontólogo inglês.

O que Darwin fez a respeito das homologias foi simplesmente explicá-las sob o ponto de vista científico, e, no caso, a única explicação científica coerente para a presença de órgãos com um padrão semelhante em organismos completamente diferentes é a descendência comum. Nada mais natural portanto que, perante a uma nova explicação, surgisse um novo e mais amplo conceito de homologia:

“Mr. Lankester estabeleceu uma importante distinção entre algumas classes de fatos que todos os naturalistas consideram como homólogos. Propõem a denominação de estruturas homogêneas às estruturas que se assemelham em animais distintos, devido à descendência de um ancestral comum, com modificações posteriores, e às semelhanças que não se podem explicar assim, semelhanças homplásticas.” [Darwin – 1859]

Substitua “homogênas” por “homólogas” e “homoplásticas” por “homoplásicas” e temos os conceitos modernos de homologia e homoplasia. Embora a nomenclatura de Lankester não tenha sido seguida à risca, o conceito darwiniano de homologia tornou-se tão popular devido a sua clareza e simplicidade, que o conceito anterior ficou praticamente esquecido. Entretanto, devemos reconhecer a importância deste último, pois é a ele que Darwin se refere quando usa os termos “afinidades reais” ou “afinidades verdadeiras” em suas obras. Considere ainda o seguinte trecho:

“Permitem-nos as observações anteriores compreender a distinção muito especial que importa estabelecer entre as afinidades reais a as semelhanças de adaptação ou semelhanças análogas. Foi Lamarck o primeiro que notou esta diferença, admitida a seguir por Macleay e outros.” [Darwin – 1859]

Um leitor de posse apenas do conceito moderno de homologia e que o aplicasse ao termo “afinidades reais” poderia se ver confuso e tirar conclusões na melhor das hipóteses cômicas acerca do trecho.

A fim de tornar o raciocínio mais claro podemos considerar como uma homologia no sentido pré-darwiniano “uma similaridade entre espécies que não é funcionalmente necessária” ou “similaridades que não precisam existir por nenhuma razão funcional” [Ridley – 1996]. Por exemplo, no mundo pré-darwiniano, um pesquisador racional poderia ter observado os ossos da asa de um morcego, da nadadeira de uma baleia e do braço humano e se indagar com o fato de que para estas estruturas desempenharem suas respectivas funções não há necessidade de que elas compartilhem o mesmo padrão de organização dos ossos, ou seja, deve haver uma explicação para essa semelhança.

A mudança na noção de analogia é bem mais subjetiva e delicada, comparando seus significados pré-darwiniano e darwiniano, pois, literalmente, eles podem estar contidos na mesma frase: Analogias são semelhanças explicadas por um modo de vida comum. A diferença está na forma como a frase é interpretada, pois ela é compatível tanto com a teoria Darwinista, Lamarckista, ou com teoria alguma.

Deve-se portanto estar atento durante a leitura de obras clássicas como “A Origem das Espécies” com o significado histórico dos termos científicos pois eles também podem evoluir.

4 comentários sobre “O conceito de homologia antes de Darwin, por Ricardo Bonadies

  1. A homologia é consequencia da descendencia comum, e ao mesmo tempo evidência dessa descendencia. Não existe retórica nenhuma que remova essa tautologia. Não adianta redefinir os termos e transformar a coisa em uma questão puramente semântica. Eu conto uma história e chego a uma conclusão e uso essa conclusão como evidência da história contada. Não é ciências!

    • meu caro,
      em primeiro lugar, uma tautologia não é um erro; pelo contrário, é necessariamente uma verdade, uma vez que o atributo é uma repetição do sujeito. em segundo lugar, as consequências de um fenômeno, uma vez estabelecidas, são regularmente usadas como evidência daquele fenômeno. leia com atenção, e verá que não há nenhuma tautologia aqui.

  2. Prá mim parece paradoxal a lógica darwinista. Paradoxal ou não, isso não importa, eu não sou criacionista nem evolucionista, mas a
    gente não pode fechar os olhos para os problemas que
    a teoria tem com os fatos, se não fosse a briga com os religiosos e a questão ideológica, os cientistas já teriam abandonado a teoria. O problema é que, no primeiro contato que a maioria dos cientistas tem com a evolução, ela é mostrada como fato inquestionável, só os ignorantes e religiosos duvidam, as críticas e pontos fracos simplesmente não aparecem nos livros. É dificil um cientista desenvolver senso crítico desse jeito. Os religiosos acham que se a teoria se mostrar falsa, isso seria evidencia da existência de um Deus bíblico. os ateus acham que se a teoria se mostrar falsa, os religiosos estariam certo, o que não deve ser verdade. Deus existe ou não? Como é que um homem pode saber a resposta!!! Se existir espero que não seja o deus dos protestantes e católicos. Dawkins não é diferente dos religiosos que critica. Ambos acham que encontraram a verdade, ambos tem explicações simples pra tudo, de 2 linhas no máximo, ambos defendem de maneira dogmática o que acreditam, As vezes acho que estamos condenados a viver nesse mundo sem sabermos o que diabos estamos fazendo aqui?

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